Hashivenu
Hoje eu andei a esmo. Acontece. Eu quase não tenho senso de orientação, vivo me perdendo, a menos que olhe bem num mapa ou peça instruções à minha mãe. Nem me importei, segui andando. Acabava de sair de um ponto final, mas um ponto final um tanto quanto anticlimático. Um rabisco num papel mais ou menos fecha uma história longa e difícil. Assim tão fácil? Às vezes a gente espera mais fanfarra da vida, e ela não te dá. Já experimentou jogar algo durante uma briga, quebrar tudo pelo efeito dramático? Não funciona, eu já tentei. Dá mais raiva aquele barulho choco no chão. Mas divago. O caso é que devagar andei para longe desse final e por acaso cheguei ao começo. O prédio do CCBB estava bem ali, queria mesmo prestar uma visita ao meu velho amigo, entrei. Fui me sentar justo nos degraus onde, manual de vestibular em mãos, fiz um início. Parece que o meu andar a esmo tinha sido não o desta tarde, mas por mais de uma década, como se eu estivesse andando num grande círculo, como a rotunda, como o campus da Unicamp, como uma tribo kraó, eu andei vagarosamente e cheguei ao ponto inicial. Chorar em público já não é mais vergonha, chorei devagar sem enxugar as lágrimas e tentando descobrir o que é mesmo que me incomodava, ou se nem era incômodo, se era só catarse. Descobri que a minha briga é com o conceito de permanência, retorno, fluidez, todas essas coisas muito difíceis de definir. O prédio, sua luz e sua rotunda, é o mesmo, mas será? Eu sou a mesma e não sou, nunca fui filosófica, por que agora? Porque agora eu, rio, descubro para onde vou. A esmo.
Foto: Kênia Castro